Era uma vez uma menina que nada via, a não ser a bondade. O mundo era mais ou menos vazio, pois andava escasso de coisas boas, atos de bondade, pessoas bondosas.
A criança foi crescendo e era como se houvesse sempre um tapume que encobria a visão do mundo, e o mundo era estranho.
A bondade para ela ficou comum ao ponto de fazer surgir no seu coração um sentimento desconforme. Mas nada fez sobre isso e nem comentou.
Certo dia quando viu sua mãe entregar um pouco de comida para alguém necessitado, enxergou o homem, mas a sua mãe sumiu da cena, como se tivesse ido para trás do tapume.
A menina sentiu queimar dentro de si aquele sentimento desconforme.
Tempos depois a filha pergunta:
- Mãe… Só vejo bondade, certo?
- Sim, minha filha. Fizemos de tudo para limitar a sua visão às coisas boas da vida.
- É...
A expressão reticente causou preocupação na mãe que disse:
- O que aconteceu?
- Quando a senhora deu alimento para o homem faminto, eu não a vi.
- Minha filha! Deve ter sido por que você olhou apenas para o homem.
- Não. Eu olhei a cena inteira.
A mãe respirou profundamente e disse:
- Querida. Fiz aquilo pra que você visse e aprendesse.
- Então a senhora não fez por bondade?
Titubeando, insegura do que dizer.
- Se você não me viu devo ter feito algo errado, de forma errada.
- Qual o nome que se dá para coisas sem bondade?
- Depende... O oposto de bondade é a maldade.
A filha pensou. E aflita, concluiu:
- Então a senhora fez com maldade.
- Por isso disse que "depende", minha filha. Há coisas que fazemos de forma indiferente.
- Então a senhora foi indiferente? O que isso quer dizer?
- Quer dizer que não foi por maldade.
- Então foi o quê afinal?
- Indiferença. Tanto fazia a situação dele. Queria que você visse. Esse era meu objetivo.
Depois de um silêncio de poucos segundos, mas de um peso terrível:
- Então, além da maldade, não vejo também a indiferença? Ou, a indiferença é um tipo de maldade?
- Pode ser, minha filha. Pode ser que a indiferença faça parte da maldade.
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