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Foto do escritorRodrigo Souza

d'As tuas tatuagens



Dava pra ver o traço sobre tua pele e onde era o vazio, tua pele própria, na cor exata, de uma tela em branco, de uma tela e tanto, e de tudo um encanto, o azulejo-manto, recobria a carne, a minha carne, a tua carne, a nossa carne, e me feria, marcaria, e me perderia como me perdi e me perdi e perdi e me perdi por longas horas, por longos dias, chegou a meses, até ali, tudo era um espanto, era bem nesse vazio, na ausência do pigmento, eu sabia que ali, naquele espaço mínimo, naquele quadrante de sofrimento, naquele fruto íntimo, entre o escuro da íris e o branco do globo, entre a casca e a fibra, naquele pedaço, pedacinho de perdão, ali estava a maior e mais poderosa mensagem - sei amar.


Era nos vãos das tuas tatuagens que havia todos os significados e tudo em ti dizia como num jogral, na candura de uma catedral, numa voz só, como num coral, como na tristeza de uma noite de Natal - sei amar. 


Dava pra ver os traços sobre a tua pele tremerem de medo. Dava para ouvir tuas células sentindo a gravidade do que dizia o órgão da tua pele, e tua imunidade despencava e aquilo nos adoecia um pelo outro, que cura não chega e nem chegava, que dor não alivia e nem aliviava, e como um ódio que não cessa de amor, como no amor que não cessa agonia.

Era nos vãos das tuas tatuagens que estavam todos os perigos, e os assumi como meus. Quis carregá-los comigo. Não deu. Deixei teus perigos contigo mesma e resolvi vir embora. E agora estou aqui, cada vez mais presente aí. Cada vez mais ausente aqui. Cada vez mais distante nesse agora tão urgente. Cada vez mais urgente de ler com a língua esses mesmos vãos das tuas tatuagens. Teu corpo todo é vão. Onde não és tatuagem, és todo meu prazer. 

Posso, de fato, negar teu recomendado. De guardar pra mim os detalhes desses atos. Mas sinto, se os guardo, que é como pedir a Leonardo - amigo, Gioconda é feia, rasgue isso, há tantos tetos de igrejas que ainda não foram pintados.


Entenda, que nesse caso, não se trata apenas de um prazer compartilhado. Escrevo para que pela humildade eu seja disciplinado. Até punido por ter lembrado. E que eu consiga dizer do ato, tudo o que fizemos de melhorado, que seja cada vez mais abstrato, por que a real vontade era dizer, fizemos todo o combinado, e até o improvisado, se tivesse alguém testemunhado, coisa de segredo de estado, só nós sabemos desse pecado ajustado, tudo teria sido explicado, num lenço de papel, com uma caneta bem modesta, uma letra trêmula, a sentença maior do que realmente aconteceu, a simples frase -


soubemos, sabemos e saberíamos amar.


E isso seria um verdadeiro escândalo.  

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