Partamos do princípio de que deus existe, que a bíblia foi inspirada, que a epopeia cristã seja real e, como o ladrão, que vem na noite sorrateiramente, um dia virá o cristo e nos pegará de surpresa para que então, diante de todos, sejamos julgados pelo que tenhamos feito, ou tenhamos negligenciado.
Partamos deste princípio.
Que guardemos com amor e temor o que está escrito no sagrado livro.
Faço um destaque para uma parte dele.
No livro de abertura do sagrado, temos a história do pai da fé, Abrãao, e seu filho, Isaque.
Por volta do capítulo 22 o Soberano desafia a fé de seu profeta bem quisto.
"E disse: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi.”
Um desafio que deve sobrepor ao próprio amor pelo filho único.
Quem já escreveu sobre essa história foi o dinamarquês Soren Kierkegaard. E escreveu lindamente sobre esta passagem com o título Temor e Tremor, o qual recomendo.
Mas antes de você ir ao texto dele, fiquemos por aqui um tempo.
Não há detalhes da angústia sofrida por Abraão. A suposta angústia, diga-se. Nada é dito sobre o estado de emoções que pode ter acometido o pai.
Levando a hipótese de que Abraão não tenha sentido nada. Pode ter, de maneira inexorável ouvido a voz de seu deus, entendido a mensagem, acordado cedo acordando também seu filho para a jornada que resultaria na sua morte dolorosa.
Por qual motivo um pai faria tal ato se não fosse o fanatismo? A irreflexão. O total desprendimento afetivo. A psicopatia. A falta de total escrúpulo. A falta de amor, de empatia, de carinho, cuidado. O amor pela própria família. Pela própria esposa que ama com a força do amor total.
O ato era totalmente desconforme com a tradição, um conflito grave que não precisaria jamais ter sido realizado para causar as mais diversas doenças de espírito tanto no pai quanto no filho.
Pensemos nos dias posteriores. Como olha o pai para o filho que deitado sobre o altar, foi salvo pela intervenção do próprio deus que fizera o desafio.
Foram 3 dias de viagem até o tal monte. Nenhum desses dias teve reflexão o suficiente de Abraão para que esse ato vergonhoso fosse questionado. Não entendo. Se para você é só uma questão de fé, espero um dia ter a sua clareza.
Imagine você. Abraão, antes de dormir, imaginando a cena. O filho apunhalado, demorando para encontrar a morte, sangrando, gritando questionando o motivo, colocado sobre a madeira para arder no fogo do sacrifício. Que dor imaginar a dor. Dor essa que nem sabemos se Abraão sentiu.
Durante a subida do monte imagino as interações de um filho normalmente curioso que pergunta “temos tudo, mas onde está o sacrifício?”. Seria o filho perguntando o lógico e o pai engolindo à seco, dizendo: Deus proverá.
Imagino Isaque. Será se não passou por algum segundo em sua cabeça que ele próprio seria o sacrifício. E mesmo que salvo pelo próprio deus. Como deveria ser imaginar que por muito pouco o próprio pai não o queimou até a morte.
Como deveria ser dormir para Abraão. Será que não era atormentado por esses 3 dias considerando matar o próprio filho.
Não vejo com bons olhos essa passagem do sagrado livro. Nada parece fazer sentido. Nem a explicação da fé (que tanto já ouvi).
Se Abraão não titubeou, o imagino desumano.
Se deus ignorou sua angústia, o imagino sem divindade.
Se Isaque continuou a crer nesse deus mesmo depois de quase ser assassinado pelo próprio, o imagino sem qualquer amor próprio.
Tudo sempre me foi estranho nessa história.
Até o dia em que conheci Bolsonaristas.
Parece que deus ainda vive.
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