07:10:
Estar apaixonado é como adoecer.
Ao acordar, desperta antes de qualquer outro sentir o sentir pelo outro não estar.
É estar em algum lugar mesmo ausente de espírito e de ânimo.
Pesar sobre a terra e encontrar pouco sentido pelo muito sentir e pesar.
Sentir, e apesar de sentir o pensar, deixar-se e entregar-se em peso, totalmente fora do lugar. E muito apesar de parecer tão bom, sentir o pesar desse mal-estar de se encontrar em estado febril. Estar marcado de hematomas mesmo antes de se levantar. Se encontrar inflamado.
10:25:
Na boca, o gosto amargo. Nos pés, a pressa para ver e pisar sobre o afeto que nos fere. Pontiagudo, sangra a pele. Na voz, o canto que canção nenhuma confere. Daquilo que conforta nada é dito. No raciocínio, nada é digno de nota. Nas mãos, a reuma sulfurosa e turva. Um tossir tuberculoso. Enverga as costas, dói a nuca. Nos pulmões, o ar contuso. Nas narinas, o odor confuso. De dor e delícia. Um moribundo.
11:55:
Estar apaixonado é a infecção da alma.
Durante um desjejum sem fome separando o animal racional do homem. É sentir-se represar e lotar-se de selvageria. De desejo e afasia, limitando-nos aceleradamente até tornarmo-nos inúteis, sendo só paixão bebendo luz do dia.
Tudo em mim reclama.
As unhas se partem ao fincar na cama.
O nó se aperta com a agulha que atravessa a trama.
13:00:
Sempre desejamos que a paixão nos aconteça como uma grande tragédia.
18:35:
Estar apaixonado é a colisão da alma.
Ambos se destroçam
Ambos são destroços
Vetores da desgraça
A marca do outro atingido
Ambos se atingem
E um todo é repartido
18:58:
Passa-se a querer morrer enquanto vive.
Querer viver enquanto morre.
Querer nascer enquanto óbito
Querer tecer enquanto bordo.
Poder secar enquanto rio.
Anoitecer quando acordo.
De modo que quando faz frio
Nos faz chorar por nossos poros
Faz-nos pensar enquanto filhos
Do deus-amor que tanto imploro
Que diz a fé que é recebido
Com festa e ouro o filho pŕodigo
Crendo em deus tudo dói menos
E esse sentir acabe logo
20:14:
Estar apaixonado é velar um corpo que não tem cova à sua espera.
Faz-se necessário que carpideiras tornem o choro contíguo por dias à fio.
Vem os de longe confraternizarem sobre o corpo, apoiando-se sobre ele e muitas vezes sorrindo enquanto se queima uma vela, enquanto se alimenta e se toma um café a cada gole mais amargo.
Não há cemitério que receba este corpo.
Não há corpo que se incinera.
21:56:
Estar apaixonado é brincar um brinquedo que corta a carne.
É a cada sorriso perder os dentes.
Caindo e caindo
cindindo os fios do juízo,
prejuízo sem precedentes.
É ser sem viço.
Do nó ao cisto.
Cravos cravados
nas mãos do Cristo.
É ser servido de um banquete vasto
de farelos levados à boca com garfo.
É palitar banguela os dentes que imagino.
É abrir o torniquete deixando uma artéria exposta.
Jorrando sangria pra ver se te importa.
23:58:
E assim foi meu primeiro dia.
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