Aqui misturarei estilos pra dizer que os domino. Mesmo que seja evidente que não se trata disso. Só escreverei. Deixarei que qualquer coisa de bom me saia pelos dedos, já que nada me agrada no que vejo. Nada agrada a mais ninguém.
Vivemos um país desagradável. Uma humanidade descartável. Mas essa tarefa aqui a qual me proponho será somente aos dedos. Não quero o uso nem do meu acanhado cérebro e nem dos meus variados medos. Falando em cérebro. Atrofiado cérebro, que possuía tantas fórmulas de se mudar o mundo, pra hoje, enquanto mudo, o mundo muda e todo ele é submundo. As fórmulas que tinha, as preciso.
Voltando ao cérebro, na verdade, o uso dele é bem restrito. Aqui e ali. E mesmo assim, se aqui ele tivesse sido inscrito não se perceberia muito bem. Às vezes penso que tenha sumido. Pensaria como, se eu ele o tivesse perdido? Enfim.
Segue um poema. Um poema sobre aquilo que poderia já ter sido escrito. Vou chamar de Morais no Avesso de Vinícius de Moraes. Explico. Ele dizia que a vida era a arte dos encontros. Quero humildemente reverter a licença poética com a licença poética deixando-me apenas com a licença poética e dizer: a vida é a arte dos desencontros.
Vão aqui então poemas de desencontros. Histórias de desencontros. Ou desencontros de histórias. Posto que a vida tem muito mais desencontros que encontros. Há mais pessoas que desencontrei do que encontrei. O mundo é cheio de pessoas que nunca encontrei. O mundo pode ser o desencontro. O ponto de desencontro que no dia em que todos se encontrarem, o mundo chega ao fim, pois não haveria mais sentido ele assim. Cheio de encontrados.
Ele, feito um buraco negro, comprimiria num acúmulo tal de energia que por dentro implodiria. Quem sabe os buracos negros não foram mundos um dia? Mundos que a arte do encontro extinguiu e assolou a vida? Implodiu de energia. A energia do encontro. Deixo para os físicos.
Mas cabe aqui o pedido de perdão a Vinicius por quê quem seria eu na fila do pão?
Na fila do pão que hoje já nem é mais metafórica. Há filas, não há pão. Mas enquanto houver formas de se dizer “não”, Belchior, perdão, eu também canto. Eu escrevo e canto. E me meto em tudo que posso justamente por que posso pouco, muito pouco. Mas voltando ao que ia dizendo: é tudo sobre desencontro. Mais ou menos assim:
Há alguém que anda querendo falar com você
Há dois alguéns que querem se ver
Há três horas eles se esperam
Mas se esperam sem saber
Às seis eles despertam
Há anos que se alertam
Que muito ficou por fazer
Há alguém que anda querendo falar com você
Há dois alguéns que querem se ver
Há seis dias eles se sentam
Sobre as cartas que não souberam escrever.
Às três eles sonham
Há pesadelos que trazem demônios
Que procuram dissolver
Há alguém que anda querendo falar com você
Há dois alguéns que querem se ver
Há léguas de distância se olhando
Mas forçam a vista sem saber para o quê
Às seis eles param
E do peito disparam
Angustias que não sabem o porquê
Há alguém que anda querendo falar com você
Há dois alguéns que querem se ver
Há palavras que vão a se escrever
Sozinhas sem alguém que os façam ler
Às nove eles se deitam
Às dez já se desejam
Nas camas frias por aquecer
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O Convertido de 1970
Vive ele de rio. Via que ela era do mar.
Sorria como sorrio agora só de lembrar.
Ela nadava lindo, provando o sal do mar. Ia doce como um assobio
Saindo fininho como um solfejar.
Quando ela o viu, fingiu que não sorriu. Mas todo o povo viu
Que uma avenida ali se abriu. Ela fugiu.
Fingiu que nada sentiu. Saiu do mar e se vestiu.
Seu vestido era singular num azul anil
Saiu a se limpar dos grãos de areia no quadril.
O vento sul era um tanto frio
Daqueles ventos de dar arrepio.
Ele abraçado nele mesmo, estando amargurado no seu sentir ateu.
Quase via deus no adeus que ela não deu.
Por fim, ela cedeu. Um só olhar ofereceu.
Ele abraçado a si, fechado, muito tímido permaneceu.
A partir dali acreditou que certamente havia deus,
E foi assim, ao vê-la no mar, a fé o parto procedeu .
Devoto do mar de onde ela apareceu.
Os próprios dedos iam a tatear
Um terço imaginário na sua mão a contar
Contou os passos que ela pra longe se pôs dar.
Lembrou-se do passado, no seu antigo lar.
Onde crescera forte, mas nunca fora ensinado a rezar.
Pouco sabia sobre deus.
E adeus seus olhos para ela deu sem resposta esperar.
Um tchau ali que se perdeu –
Ela havia parado de olhar.
De cabeça baixa ela partiu.
Viu-se um tanto interessada naquilo tudo que sentiu.
Pensou que se tratava de abrasamento juvenil.
Braço esticado ao veículo, um táxi pediu.
Desocupado que estava, o motorista consentiu.
Ela entrou dando destino levando vivo o que sentiu.
Ele a acompanhou com o olhar petrificado.
Jamais havia nesse tanto se encantado.
Pensou-se até adoentado do quanto o peito contraiu.
A bela moça do mar, a qual ele nunca mais em vida viu.
Mas a fé que havia nascido nesse jovem pueril
Levou-o até o patronato, mas de padre não serviu.
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O Coletivo 1990
Ele estudava. Ela trabalhava. O mesmo coletivo suburbano os levava. Era como uma banheira que loucamente balançava. Às seis da matina os dois então levantavam.
Sempre um deles atrasava.
Em pontos diferentes na condução embarcavam.
Mesmo assim, até aquele dia,
nem sequer imaginava que o outro existiria.
Era uma quinta. Quase sexta, melhor dizendo.
Ele encostado na janela dormia.
Ela ia se maldizendo.
Trabalho lhe sobrava. Dinheiro ela não tinha.
Em pé viajava. Pesada era a rotina.
Os olhos dele trepidaram em piscadas bem pequenininhas.
Até que um olho se abriu. O olhar da moça ele viu,
parecia indignada.
Disse: Moça, fique sentada.
Levantou-se antes da resposta dada.
Ela muda, agradeceu. Só a cabeça meneava.
A partir dali ele pra ela só olhava. Pelo vidro da janela se sabia observada.
Até seu ponto, o estudante, sempre firme a escoltava.
A cordinha ele puxou
fazendo assim sua parada. O seu percurso acabou, tinha enfim sua chegada.
Ela o olhava. Suas costas analisava.
Ele descera rápido quase ignorando a escada.
Ela o porte sustentava. Sua postura reservada.
Ele do chão se esticando sua janela procurava.
A moça nem imaginava que naquele dia de novela ficaria desempregada.
Ele o mesmo ônibus todo dia apanhava.
Até o dia que se formou esperava encontrá-la.
Pra janela sempre olhou,
mas na janela nunca nela estava.
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Os caracteres de 2010
Ela na rede viciada.
A toda hora qualquer coisa procurava
Coisa para entreter. Mesmo que fosse coisa alienada.
Não se poderia assim dizer
Que vivia amargurada.
Até vivia bem de tão bem acompanhada.
Ele a amava.
Ela o gostava.
Difícil dizer se amor por ele ela buscava.
Tudo ia bem. Mas pensar em tais coisas a machucava.
Às vezes num outro rapaz ela pensava.
Um que pouco lhe deu desgosto,
mas algo ali ainda pairava.
Ele sempre a visitava em sonhos, daqueles que a memória não desfaz.
Há anos que não o via, mas na cabeça ele fazia
uma bagunça contumaz.
De noite ela deitava, beijava o rapaz que a amava.
Tanta culpa nessa hora castigava.
Era injusto tudo aquilo que em sua vida se passava.
A cabeça ela focava na rede à qual se dedicava.
Até que um rosto conhecido sua mensagem replicara.
A foto era do cara
que em sonho a visitava.
Ela em vão o evitou.
Sentia-se atordoada pela interação que ecoou.
Aquele que há muito tempo sua alma afeiçoou.
Sentiu por dentro de si mesma algo que a desandou.
O corpo deu sinais em vários pontos de calor.
Mas ainda assim ela calava a confusão que a tomou.
Tudo nela já gritava em seus poros transpirou.
Foi tão intenso e inevitável que tudo nela esquentou.
Era uma febre que por dentro o espírito dela inflamou.
Seu rapaz sutilmente na sua cama a abraçou.
Da página de rede sua tela apagou.
No outro dia a providência que mais rápido encontrou.
Tomou coragem de repente - ela logo o bloqueou.
Mesmo que ainda seja ardente a chama que não apagou.
Ele havia dela lembrado.
Por muito tempo com ela também sonhado.
Mas viu-se um belo dia um tanto bem amargurado
Procurou-a em sua rede
Ela o tinha bloqueado.
Daquele dia em diante,
só em sonhos a encontrado.
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