Não havia mais nada que se pudesse fazer pelo homem deitado ao chão. A médica acostumada a ver várias vezes esvair-se a vida, ficou com o rosto daquele homem em imagem fixa na mente. Algo incomum estava se apresentando ali. Aquele papel em seu bolso pesava toneladas. Queimava, aquecia seu peito. Concentrava toda sua ansiedade e curiosidade nele.
O cansaço se foi por completo. Ela caminha em direção ao seu carro. Rapidamente fecha a porta. A mesma que fez com que aquele homem olhasse por longos dois segundos nos olhos dela. Sentada, ela olha o retrovisor. Os espelhos laterais. Suspira longamente. Vai com sua mão direita ao bolso esquerdo. Aquele papel pode não ser nada, mas a dramaticidade do momento fez parecer que não. Ela desdobra a primeira parte. Desdobra uma segunda parte. TOC, TOC... no vidro do passageiro. Que susto, ela diz. É um oficial de polícia. Ela abaixa o vidro.
A senhora conhece aquele homem? Pergunta. Ela com expressão de pesar diz que não, foi uma ação em resposta ao costume de tentar ajudar, isso que a fez ir até ele. Imaginei, disse o oficial, desculpe o susto que lhe causei. Vi que a senhora ficou nervosa. A médica sorri um sorriso sem mostrar os dentes e uma expressão de que estava tudo bem. O ocorrido naquela área fez com que agentes de trânsito criassem rapidamente uma maneira de escape dos veículos para isolar adequadamente a cena do crime. A médica decide ler o bilhete apenas em casa. O trânsito não estava fácil. Sua casa fica há oito minutos dali. O trajeto ficou demorado. Ela pensava no papel e no rosto daquele homem. Será se já o havia atendido? Pensava. O que teria ali naquele pequeno papel?
Ela destranca a porta da casa. Tira os sapatos. Sozinha naquele apartamento, olhou todos os cômodos como que conferindo se tudo estava em seu lugar. E estava. Ela se sentia tão sobressaltada naquela manhã. E aquele momento de abrir um bilhete de alguém que havia morrido há pouco, era o ápice de emoção que vivia em tempos de rotina, mesmo a rotina tão atribulada de uma médica plantonista, coisa que só fez aumentar sua frieza diante de tudo, ela estava prestes a ver algo que poderia ser interessante o suficiente para viver mais intensamente o intervalo até o próximo plantão.
Ela, despida, as peças de roupa no chão do banheiro. A luz que entrava era uma luz branca. Luz que comporia um cenário belo no reflexo do espelho. Uma planta balança num canto. O silêncio é grande, mas é rasgado pelo som do papel sendo manuseado. Ela abre o papel. Em letras muito inclinadas, caligrafia séria, riscado firme à lápis. Seus olhos se enchem d’água. As lágrimas trêmulas se equilibram para não caírem. Seguram nos cílios como alguém à beira de um precipício pedindo ajuda. No papel se lê:
"Procure:
E. Jenner Olivier
Marcelo Vittoriano
Rogério Rayol
Natália Souza
Tadeu Rocha
Fernanda Delfino
Yuri M"
Sete nomes... Um deles, coincidentemente idêntico ao de seu pai.
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