Dizem que é preciso trabalhar com alegria
Faço o que faço por necessidade,
mas confesso que me orgulho de fazer com maestria.
Precisas ver, rapaz
Sete palmos é coisa de poesia
Cavo quatorze em dia de chuva
Em dias de sol sou escavador
Até petróleo encontraria.
Dizem - trabalhe com o que ama e não precisará
trabalhar mais nenhum dia
Trabalho com o que não gosto
em dias que para outros é desgosto
Como posso amar o meu ofício
Se cavo covas para um corpo
Que sem vida desce ao fosso
Que fiz sorrindo, mas escondendo um sorriso de decoro
Não posso sorrir enquanto chora a viúva desse morto.
O que dirá olhar as pernas das outras viúvas do mesmo moço
Meu ambiente de trabalho tem tudo o que tens no teu
Mas rapaz, fico abismado
Quanto amor por um filisteu!?!
Olho pelo vidro do caixão a cara do condenado
Foi meu parceiro de boteco
Já bebemos lado a lado
Amava as putas da Lobo D’almada
Hoje sua partida certamente lá será brindada
Que chegue aos céus dos raparigueiros
Esse jovem camarada!
Seu nome só sei por que todas suas viúvas o chamavam
Os filhos assumidos choram também
Bem ao lado dos que nem memória dele tem
Nem fingir dor assim nenhum fez
Por que o importante é ter faltado aula
Bem no dia da prova de português
O que me dá alegria – não só hoje, qualquer dia
É trabalhar com meus parceiros
Não podemos gargalhar o dia inteiro
Mas aprendemos a fazer piadas que só é capaz
De entender o outro olhar de um coveiro
Bom mesmo é o sindicato
Lá falamos sem parar
Nossa classe de tanto contato com a morte
Não se dedica muito a reclamar
No dia que houver revolução já sabemos em que postos nos convocará a comissão
Enterraremos os patrões, aí sim
Trabalharei sem nem sentir remorso algum por me permitir
Gargalhar da morte sem culpa
Só tenho pena dos vermes que desse couro imundo vão se nutrir
Comentarios