Tenho percebido o que me motiva a escrever. Que coisas acenderiam a verve do relato. O quê ascenderia à alça digna do especial de ser registrado. Para isso, andei relendo as coisas que já fiz em tempos anteriores, bem quando eu acreditava que sabia quem era Eu, coisa típica de um tolo. Só o tolo diz saber quem é. E fui muito tolo, por muito tempo, foi o que achei nesse refugo escrito. As mais variadas tolices me intimidaram tanto ao ponto de só me constranger. Nossas tolices são as mais ferozes e sedutoras mentiras que nos fazem salivar, querendo acreditar piamente, que o que elas dizem são as verdades mais verdadeiras. Tais mentiras, como a de que se vislumbra minimamente o que se leva dentro, em nós, como se esse dentro existisse, e existisse para fora, como se tudo que estivesse fora não fosse dentro, e não estivessem dentro e fora. Tal como o movimento de todos os sexos. Todo prazer requer um ir e vir. Como num balanço. Como se tudo que existisse dentro, existisse fora. E como se tudo o que conhecemos não fosse fronteira de conhecimento, não fosse um pensamento que vai embora. Um conhecer que nos vem no negativo da imagem. Onde ele não é, sou eu. Como onde ele não está, estou. Esse eu que é um outro que criei ao perceber que não sei o que sou, ele mesmo, é todo o engano que nos permite viver fora de um sonho.
Tenho percebido o que me motiva a escrever. Vasculhei as coisas que já fiz e todas elas disseram do mesmo objeto o tempo inteiro. Sempre repetiam o discurso de que eu sabia o que seria uma coisa que chamamos de “amor”. Essa coisa que num filho se tem esboço, mas nem que se abra a medula da alma dessa questão, ainda assim, nenhum palavreado saberia dizer o que é. O que nos força a inventar algum repertório de explicação para justificar: Sou assim e amo. E nem é o que pensa ser. Passa longe.
Só hoje sei o que me motiva a escrever. O que me motiva é imaginar o que seja o amor e nunca passar nem perto. E acima disso, ter o mais profundo prazer de angústia por nunca, em tempo algum, saber o traço do primeiro conceito possível sobre o amor. Ele não existe e nunca existirá enquanto houver homem e inconsciente. Nunca saberemos, pois, se num exercício de imaginação dissermos que, há alguém que seria um outro par de mim em outro ambiente desconhecido, e que esse alguém, par de mim, pense que eu, que aqui escrevo, sou o que ele, lá, lugar que idealmente possa estar, me chama de inconsciente, enquanto eu, daqui, faço igual. Portanto, nunca saberemos o que é o amor, por causa desse par de mim que não consigo ouvir e entender se não for com o auxílio de um outro alguém. E esse outro alguém sabe que sabe muito menos do que nada. Me auxilia a formular outros mil equívocos sobre o que não sabemos. Não sei o que ele sabe sobre o amor. Nem ele - o par de mim, nem aquele que me ajuda. Não sei a versão que se pode crer ser a mais correta para todo o equívoco que formulamos sobre o amor. Como poderemos fechar questão se esse, outro, par de mim, não pode me fornecer a verdade que pensa ele mesmo sobre o amor.
Hoje sei bem o que me motiva a escrever, nem tanto mais com palavras escritas, mas nos hieróglifos que aprendi a inventar, que desenho e desenho como se isso não fosse um prazer de tentar a todo custo responder àquilo que não se sabe nem perguntar. Essa coisa que chamam por aí de amor. Que se tornou o sentimento mais banal dentre os tesouros. Essa coisa que nos faz presentear a pessoa que arrepia os poros de tudo o que sinto em mim. Que nos emociona ao ouvir uma música de frases muito justas sobre o que quero com aquela pessoa que digo amar. O amor, esse erro conceitual do humano. Isso. Essa coisa nos serve como o travesseiro preferido na noite em que se dorme fora. O que aprendemos a chamar de amor é essa simulação de alguma certeza. E no fim das contas, passamos por tanta coisa na vida. É um sofrimento esse desejo que não para. Desejo de saber. Amar é uma tentativa. O amor é um tentar.
Hoje sei o que me motiva a escrever. O que me motiva é tentar.
Comments