Há na saudade uma vogal capacidade de reprodução. Assim sendo, faz de todo instante o momento consoante de produzir-se em novas imagens, em novos atos obscenos, em letras itálicas, deitando urgente.
Falo dessa forma, complexando o meu dizer, minha forma, minha norma, a normalidade que existe nisso de te querer. Poderia até dizer bem mais simples, como é simples dizer toda verdade. Toda obviedade. A trivialidade de dizer contigo, de condizer, de assentir, reconhecer que somos muito iguais.
Quem diz que nos parecemos não são os autos, um perito. Para isso, não carece parecer, e não me parece padecer como ideia caducada a imagem consolidada de que eu e você nos conhecemos bem e somos iguais.
A falta que te afoga é o que sobra no meu espaço. O que tenho de universo cabe dentro do teu átomo. O que gozo de prazer é o que te emprenha até hoje de saudade. Por que há na saudade uma vogal capacidade de reproduzir.
Falo dessa forma, anexando o meu entender, minhas horas, onde deito, tudo o que há pra se dizer. Poderia até fazer um texto simples de escrever, como um discurso num desenho. Toda verdade. A trivialidade de pensar contigo, da telepatia, retorcia o corpo enquanto te lambia.
Quem diz que nos parecemos não são as camareiras nos corredores secretos, por trás das paredes. Essas, saberiam dizer o que fazíamos mesmo em silêncio. Mas há no profissionalismo delas, o que no nosso amadorismo faltou, e também a falta dela nos abundou: vergonha.
Nos parecemos não tanto pela mesmíssima sacanagem a qual habilidosamente nos sobra em par, é farto a sós, é imensa na saudade, encharca os lençois, teu peso mais o meu. Não lembro mais o que estava pensando em dizer, querendo dizer, penando ao dizer, tentando entender, onde ficou a saída.
Em algum momento, uma janela de tempo se abriu, alertados, ignoramos e passamos do ponto que o que fizemos não mais se configura em pecado. Passamos desse lugar. Como num retorno. Como dois carros. Seguindo opostos lados. Deixando pedaços de mim ali. E o que via era espelho. Retrovisor. E foi. Até que não vi mais. Até que não vejo mais. Até que um dia não a verei mais. E não virei mais. Até o dia em que for impossível ver. Quando for impossível vir. Talvez, só nesse dia, é que diremos. Em voz alta. Eu sinto sim, muita saudade de você.
Guardo em mim a certeza de que bastaria nascermos de novo, e termos garantida em cartório, mediante testemunhas, diante do deus que existir, que se outra vida houvesse, que procuraríamos novamente um ao outro, só pelo costume. Nem que fosse para tocar a ponta dos dedos dos pés por baixo de uma mesa, rodeados de ninguém, como se não fosse absurdo um amar assim juvenil. Como dois adolescentes que se beijam no meio da avenida na esperança de não serem notados por ninguém, mesmo atrapalhando o tráfego.
É sobre esse tipo de coisa que andei pensando em dizer. Já tem uns anos, na verdade. Isso de sermos parecidos me veio agora. Nisso de sermos tão bons em tocarmos a vida com as vísceras para fora. Como se pode dizer melhor sobre viver plenamente até que venha o desastre?!
Todo momento é passível de se habilitar em saudade. Era isso que eu ia dizer.
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