Somos de quem quando nos entregamos ao outro? Ainda somos nossos? Quando nos damos ao outro, quem fica comigo? E quem foi entregue, sou eu mesmo? Sou do outro quando me entrego? Pertenço ao outro? Pertenço a ele e a mim mesmo a um só tempo? Como que é possível se entregar ao outro quando nem possuo a mim mesmo, pois faço o que quero e o que quero muitas vezes é o que esperam de mim, aí efetuo. De modo que aquele querer nem era meu. Sabemos cada vez menos de nós mesmos quanto mais procuramos nos conhecer. O outro sabe pouco sobre mim e o que penso sobre mim já mudou quando me aproprio de quem achei que eu era. Quando digo Sou Esse, não sou mais.
Ninguém é mais o que diz ser, quando diz - Sou Esse. Nem mesmo aquele que é seguro do que pensou ser - é. Ele apenas enuncia o que pensa ser, para no fim das contas frustrar-se por não ser o que construiu para si como o ser que diz - Sou Esse.
O que nos faz não sabermos quem somos? Diria que o fato de que nunca estivemos fora de nós mesmos e, portanto, nunca nos vimos, pois nunca houve quem saiu de si, explica algo. Para formularmos o que somos aprendemos um conjunto de adjetivos, absorvemos o que aquelas palavras intentaram expressar, que alguém as fizeram dizer. Mas, a verdade é que a única pessoa que vemos de fora é o Outro.
Assim sendo, quem sou? Sou o Não-Outro. Eu sou aquilo que resulta do exercício de olhar o outro e pensando entendê-lo e sabê-lo, sou o que imagino que lhe falte, ainda que tudo me falte de igual forma.
O que damos ao Outro quando dizemos estarmos entregues? Que se saliente, destaco com cuidado, sendo a relação de qualquer origem ou espécie. O que damos ao Outro? Responderia, do alto do meu nada-ser, que o que estamos a dar é o que entendemos carecer no Outro, nada além. Portanto, o que manifesto como sendo Sou Esse, nada mais é aquilo que entendo faltar naquele que diante de mim é temporariamente, por enquanto, somente naquele átimo instantâneo, o que pensa ser. Diante disso, prestamos a oferenda para aquilo que no ato, já não é, do Outro provisório, ou aquilo que entendo que ele seja. É o ofertório de sensações e impressões que irão lhe dar lenitivo prazer enquanto a próxima frustração se avizinha. Até o momento em que ela, a frustração que irrompe, chegar e mostrar que ele – Não É.
Então, melhor dizermos que não somos, estamos.
Isso muda tudo.
Isso muda o que somos.
Mesmo não sendo - estando.
Adorei. Lindo texto.