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Foto do escritorRodrigo Souza

Sonhando um não-dizer




Quando um não-dizer é tão gritante que no nosso corpo erupciona uma bolha de ansiedade, como chamam?  

Não dizer e adiante aquilo virar um não-dizer, que circula dentro do sistema inteiro. 

Como algo tóxico que requer certa biossegurança para livrar o corpo. Um não-dizer. Um corpo estranho nasce dentro, em nós, profundamente à flor da pele. Nódoas. Viram marcas. Viram esferas. Ocupam a garganta. Aquele nó que parece choro. Aquele silêncio tão barulhento daqueles não-dizeres. 

Não disse, muitas vezes, para manter a aparência de que não sufocava. De que não me arrastava pelas paredes da sala do meu pensamento. Tudo para não atrapalhar aquele mamífero monumento. No meio da minha sala. Crescendo. Se alimentando dos meus não-dizeres. Aqueles tantos suficientes para bem nutrir o elefante do meio de minha sala.


Há que se criar meios desses não-ditos saírem em paloras tropeçantes e que digam algo, nem que seja por brincadeira. Ninguém nunca vai notar.

Vão sair desobstruindo lentamente a garganta. Abrindo caminho e ar. Vão se desvencilhar das cordas vocais cada dor de palavra, cada não-dizer. 

Sairão uma por uma, enquanto se produz mais não-dizeres ainda.

E por isso que se sonha tanto.

É o sonho algo como um pátio onde correm os pequenos em recreio. Crescem enquanto brincam. Até adolescerem. E os não-dizeres entram na puberdade onde tudo é hormônio de prazer. E pouco se fala de quando esses não-dizeres se entregam a terem relações das mais íntimas e sexualmente ortográficas, morfológicas e gramaticais umas com as outras. É como deprimir de muito sexo verbal. E elas sempre estarão a sós. Todo dia é dia de chuva e que bate aquela vontade de união. E os não-dizeres encontrando outros não-ditos tão atraentes. E eles transam. Todas as coisas não ditas se entregam e formam sintaticamente as mais coordenadas orações em períodos compostos. E como aqueles roedores que compramos e amamos, procriam sem parar. Pois são os bichos mais férteis e dispostos de todos, eles, os não-dizeres e os não-ditos. Todos guardadinhos. Profundamente à flor da pele.   


E mais ninguém vai saber. 

A não ser você. 

Que sonha. 

Sonhando um não-dizer.       


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